quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Valha-nos a Santa Mãe!

Estive de férias! Finalmente. Uns dias de “dolce fare niente” só eu e a esposa. Foi uma maravilha. Por isso estive tanto tempo ausente das lides talhantes...foi só forrobodó!
Desta vez não fizemos muito passeio, mas mesmo assim foi bom.

No ano passado demos uns passeios pela Beira Litoral, ver as vistas, os castelos, provar a gastronomia regional (que surpreendentemente cada vez mais é pizza), ver mais monumentos, sítios importantes e outros menos importantes. O que interessa é que em Portugal tudo é lindo. Excepto Setúbal. E Vila Velha de Rodão em certos dias também cheira mal. Mas vá...são bonitos de uma forma peculiar. Peculiarmente mal-cheirosos.

Grande parte do roteiro foi feito pelas nossas maravilhosas Estradas Nacionais.
Quem diz “Epá. Nacional? ‘Tás é parvo. Eu curto é andar na bisga nas auto-estradias, man.” é porque é muito urso (sem ofensa aos ursos que conheço alguns e não têm culpa nehuma) e merecia espetar-se contra um lancil, sair pelo vidro, ficar de rabo para o ar e ser penatrado violentamente por aquelas luzes azuis e estúpidas que irritam a vista e incomodam quem está na estrada para conduzir e não para competir.
Andar nas nossas nacionais é um deleite...e não, não vou fazer nenhuma piada com a palavra “deleite”.

Vemos o interior, vemos as nossas frondosas florestas (ou o chamuscado que resta de algumas delas), as serras, as fontes e o melhor de tudo, as nossas localidades mais, mais, mais interinas! E não, não vou fazer uma piada com a palavra “interina”, estava-se mesmo a ver.
Temos localidades lindas, que de sua simplicidade transmitem calma e serenidade, com gente boa que sabe responder a um “Bom dia” e a um “Boa tarde” (a um “Boa noite” fiquei sem saber pois também é gente de se deitar muito cedo), com casas rústicas e com o belo do tasco onde servem cerveja fresquinha sem o olhar de desconfiança habitual das pessoas das cidades.
Mas o melhor dessas localidades, caros leitores, são os seus nomes. Sem dúvida, Portugal é cheio de pérolas. Então alguns são mesmo nomes que levam o mais sério dos passageiros a esboçar um sorriso, senão mesmo a gargalhar até lhe virem as lágrimas aos olhos, soltar uma ou duas pinguinhas de urina para a cueca e de vez em quando largar um “flato”.

Eu sei que este é um assunto já focado vezes demais. “Pois. Olha outro a gozar com o nome das localidades.”, “Ó amigo, essa já é velha.”, “Usar vírgulas entre aspas fica esquisito, ó bacano.”...
Mas calma. Isto tudo foi só o build-up. A punchline vem agora, já na próxima frase.
Ou será o punchline? Bem. Não interessa.

Durante esse passeio, a esposa e eu passamos por Fátima, bonita localidade e lugar de culto para muito peregrino. Nós não somos muito devotos, mas gostamos de ver as vistas e aquilo do santuário até que está engraçado.
Mas o santuário de Fátima levou-me a pensar em muita coisa. Uma delas foi que nunca tinha visto tanta carrinha de venda de farturas por metro quadrado. Outra foi indagar sobre a própria aparição de Nossa Senhora.
Não estou a por em causa se ela apareceu mesmo frente à Lucy, à Jacy e ao Chico. Nem me interessa entrar nesse campo. Cada um acredita no que quer. Aparições de Nossa Senhora, o Benfica ganhar dois campeonatos seguidos, aumento das reformas...no que quiser.
A minha indagação é porque é que Nossa Senhora foi aparecer ali? Questões logísticas? Será que Ela já tinha em mente que ali ia ser um bom sítio para construir um santuário em Sua homenagem? Ou será que aqueles terrenos eram do interesse de terceiros que queriam em vende-los para tal efeito?

Isto levou-me a pensar “E se Nossa Senhora tivesse aparecido na Ota?” Pois é. Muito provavelmente agora discutir-se-ia a construção de um novo aeroporto em Fátima.
O pessoal que tem os terrenos na Ota é que não ia ficar muito contente.
“Ah, apareceu aqui a Nossa Senhora e vamos ter que construir aqui um santuário.”
“Oh. Mas que chatice. Mas porque raio não apareceu Ela em Fátima? Lá é que há bons terrenos para santuários. Aqui, pelo tipo de terreno, é mais coisa de segundo aeroporto.”
Mas esta é uma questão pertinente. Porque foi ela aparecer em Fátima? Logo em Fátima.
Há tanta localidade em Portugal, porquê logo em Fátima?
Ela foi esperta. Ora pois. Fosse lá ela aparecer um pouco mais ao lado, no concelho de Ourém e não teria sido ela chamada Nossa Senhora dos Currais!
Ou teve muita sorte ou foi muito esperta. É que com a quantidade de nomes de localidades que temos, Nossa Senhor teve mesmo muita sorte ter aparecido onde apareceu, ou não fosse ela chamar-se:

Nossa Senhora da Picha (Pedrogão Grande);
Nossa Senhora da Vendas das Raparigas (Alcobaça);
Nossa Senhora d’A-da-Gorda (Óbidos);
Nossa Senhora de Lavacolhos (Fundão);
Nossa Senhora de Picheleiros (Setúbal);
Nossa Senhora de Espelgases (Odemira);
Nossa Senhora da Coina (Barreiro);
Nossa Senhora de Nariz (Aveiro);
Nossa Senhora do Casal do Pinhal (Sintra);
Nossa Senhora de Toca do Rabo (Vila do Bispo);
Nossa Senhora do Rablongo (Idanha-a-Nova);
Nossa Senhora do Rabito (Guarda);
Nossa Senhora do Rabinho (Fundão novamente);
Nossa Senhora de Rabadela (Vila Nova de Famalicão);
Nossa Senhora de Entrabum (Monchique);
Nossa Senhora de Lamama (Paredes de Coura);
Nossa Senhora do Moinho da Mama (Arraiolos);
Nossa Senhora da Palhaça (Oliveira de Bairro);
Nossa Senhora de Engano (Odemira novamente);
Nossa Senhora de Ranholas (Sintra novamente);

As possibilidades são inúmeras. Agora tentem ver como é que ficavam essas localidades se tivessem “Santuário” escrito à frente. É o que vos digo. Foi um milagre, sim senhor. Foi um milagre Ela ter aparecido em Fátima.

Voltem sempre. Desculpem o incómodo.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Carne velha, precisa-se!

A todos aqueles que preocupados pensaram que O Talho tinha fechado, despreocupem-se porque não fechou.
São incontáveis os e-mails que recebi de leitores assíduos e interessados na situação deste estabelecimento.
Ora, são incontavéis, pois claro, porque não recebi nenhum. Nem um! Zero! Nicles! E uma pessoa não pode contar coisas que não existem. Lá fiquei eu à espera de comentários às últimas adições de febra, mas nem essas tiveram sequer uma palavrinha. Tudo bem. Era carne fraca. Mas nem sempre se consegue ter um porco categoria A.
É como aquele pessoal que não vai para a cama com uma mulher que tem uma cara feia. Ó amigos, por alguma razão Deus Nosso Senhor deu umas costas bonitas às mulheres e por uma razão equivalente Adão e Eva inventaram a “Canzana”. Por outras razões completamente diferentes uma senhora de Semide (Miranda do Corvo) inventou a “Chanfana”. Longe vão os agrestes tempos da ditadura onde a “Canzana” voltou a ter conotação gastronómica. A escassez de cabra velha levou muita gente a recorrer à carne de cadela velha. Mesmo a batata foi substituída por barro...isto quando havia barro.
Mas divago. Dizem que anda aí um novo papão. A ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica). E dizem desse papão que é mau e que fecha estabelecimentos comerciais caso sejam encontradas provas de desrespeito às normas da dita Segurança Alimentar. Ora...como será que estes senhores avaliam então uma “Chanfana”? É que para se fazer uma boa “Chanfana” a carne tem que ser de cabra velha, mesmo velha, quase a quinar. Mas acho que carne velha, mesmo velha, não deve cumprir as normas de Segurança Alimentar. Então como é que estes senhores lidam com este paradoxo?
Se me entram no talho e dizem com as suas vozes anasaladas:
“O Sr. Alfredo é que é o dono deste estabelecimento?”
“’Tá lá fora um letreiro a dizer “Talho Alfredo”, eu chamo-me Alfredo e tenho uma bata de talhante vestida...Não! Não sou. Sou o Alberto Barbeiro e enganei-me na loja.”
“Mas é ou não é?”
“Mas é claro que sou, pá. É preciso explicar tudo?”
“Nós somos representantes da ASAE e queremos verificar se a carne que vende no seu talho está a cumprir as normas de Segurança Alimentar.”
“Eu julgo que está. Olhe para ela no expositor...Está morta! Não se mexe. E quando veio na carrinha também já vinha morta e pendurada. Epá. Não me diga que agora também é preciso ter uma cadeirinha especial para transportar carne... É que se assim for eu não recebi a circular e olhe que eu recebo todos os meses o “Butcher’s Digest”.”
“Sr. Alberto...”
“Alfredo.”
“Sr. Alfredo...olhe que isto é sério. Parece que tem aqui carne muito velha.”
“Claro que tenho. É carne para Chanfana. Chanfana é feita com carne velha, mesmo velha, quase a quinar.”
“Mas de cabra, Sr. Alfredo.”
“Ai! Então mas a ASAE é perita em Chanfanas? Agora vai-me dizer que não posso fazer uma Chanfana de porco...ou de vaca...ou de perú...ou de galinha.”
“Tem razão, sim senhor. Vamos deixa-lo em paz e vamos à pastelaria ali ao lado para contar se os Mil-folhas cumprem aquilo pelo qual são nomeados. Muito boa tarde.”
“Boa tarde.”

Seria mais ou menos isto. Um talho imaculado como o meu só poderia passar na aprovação da ASAE. Logo, só é papão quando um é descuidado com aquilo que têm ou faz. É como a PIDE. Antes o papão era a PIDE. Todos tinham medo da PIDE e ao fim e ao cabo eles só estavam a cumprir o trabalho deles. Existiam normas. Se não eram cumpridas, claro que eles tinham que intervir. A ASAE é a mesma coisa. Eles são boas pessoas com vozes anasaladas que estão para fazer cumprir as regras. Sem eles andava aí muita gente a comer “Chanfana” com carne de cabrito, muito novo, tenrinho, ou seja, a ser enganado e sem saber.

Os melhores cumprimentos.