“Eu sou alcoólico.” Foi assim que o indivíduo se apresentou, quando abordou a, ou cambaleou até à, mesa. Mesa onde me encontrava com uns amigos, na conversa, enquanto esperávamos que o jantar chegasse. Falávamos de trivialidades e de vez em quando inseríamos um comentário jocoso ou uma laracha, assim para animar o ambiente. E apareceu o companheiro, levantando-se da mesa onde estava, trocando o passo até à nossa mesa. Estendeu-nos a mão para cumprimentar, mas com muita dificuldade. Aquilo foi mais um “atirar de mão” para o meio da mesa, do que um passou-bem direccionado, tal era o estado de perícia visual. Lá o cumprimentamos. Depois ficou ali, a bambolear tipo palmeira em noite de tempestade no mar, a olhar para nós, e nós a olhar para ele (nós era mais segui-lo com o olhar, pois o gajo não parava de balancear). Ele olhava para nós, nós para ele, ele para nós, nós para ele, ele para nós…Se fosse um filme, seria um western spaghetti do Sergio Leone, exactamente naquelas cenas em que o Homem Sem-Nome e o Vilão ficam meia-hora em planos picados e aproximados de rosto. Ora um, ora outro. Ora um, ora outro. Câmara mais próxima. Ora um, ora outro. Ora um, ora outro. Só se ouve o vento. Meia hora nisto. Grandes clássicos da “cóboiada”.
Mas voltando ao tema do início, o indivíduo ali ficou. Deve vez em quando lá levava a cerveja, que bebia pela garrafa, à boca. E de vez em quando lá acertava no sítio certo. E depois fez aquela revelação que me chocou profundamente (senão estaria a falar sobre outro assunto qualquer) duma forma quase tão oscilante quanto o corpo dele:
“Eu sou alcoólico.”
Foi um choque. É que aquela afirmação bateu-me forte quase como se fosse a Palavra Divina. Como se o Senhor tivesse vindo à Terra de propósito só para me dar esta Mensagem. Foi uma revelação.
É que não se notava nada. O amigo deve ter percebido que, durante aquele período de tempo, no nosso momento western spaghetti, nós não tínhamos dado conta que ele era alcoólico. Com toda a sobriedade (possível) ele ajudou-nos a perceber o que se passava com ele. E rematou logo a seguir com um “Na boa?”
Claro que nós dissemos que sim. Sempre na boa. O chato era que nós queríamos jantar e ter alguém ali ao lado a bambolear ao sabor do vento não é nada agradável, tendo em conta que podia vir uma rajada forte, apanha-lo por trás e ele balançar para cima da mesa. Tentar comer com um alcoólico estendido na mesa não deve ser confortável.
Bem, o dono do café lá chegou e levou o colega dali para outro lado. Este não nós abandonou sem antes voltar a atirar a mão para o nosso centro em jeito de despedida. Depois das despedidas feitas lá seguiu, ora para um lado, ora para o outro, de volta ao mesmo lado, mais umas passadas para o outro.
“Eu sou alcoólico.” Foi o que ele disse. A minha dúvida foi: será que ele estava a dizer que ele era como o vinho, a cerveja e o whisky e não como a água, o sumo e o leite? Porque os primeiros três são de facto alcoólicos, mas não andam para aí a abordar pessoas nas mesas de café a dize-lo. Uma pessoa percebe isso porque no rótulo vem o grau de álcool. Mas as pessoas não têm rótulo. Mas podiam trazer. Facilitava em muita coisa.
Eu sei que à partida isto não é lá grande assunto para um post. Mas se esta fosse a primeira vez que me acontece, isso sim, não havia motivo para dizer nada. Mas aqui o Sr. Alfredo já passou das boas com indivíduos ao nível deste, e em todas as localidades pelas quais já assentei pé. Sempre que estou em amena cavaqueira com uns amigos, numa mesa de café ou numa esplanada, é sempre a nossa mesa que recebe a visita dum alcoólico. Devemos ter alguma coisa que os atrai. Mesmo assim, para eles todos uma mão estendida para os cumprimentar. Espero que acertem. Uma pessoa sabe que eles acertam quando já estamos a dar um passou-bem e eles estão com os olhos virados para outro lado qualquer.
À vossa saúde.